sábado, 27 de setembro de 2008

I Pe 3.19 - Jesus desceu ao inferno? (Parte 2) / Daniel Grubba

Segunda teoria: Libertar os santos piedosos do AT

Para o teólogo escocês e judeu, Myer Pearlman, a passagem de I Pe 3.19 testifica que Jesus desceu ao inferno em algum momento entre sua morte e ressurreição. Mas Jesus desceu ao inferno para fazer o que exatamente?

Em primeiro lugar, Pearlman credita esta passagem como um cumprimento de profecias, ou seja, Jesus estava apenas cumprindo profecias do AT (Salmo 16.10 e 49.15). Em segundo, Pearlman, afirma que Jesus após sua morte, desceu ao coração da terra (Mt 12.40; Lc 23.42,43) para libertar os santos do Antigo Testamento, levando-os consigo para o paraíso celestial. Ele mesmo explica dizendo que “essa descrição parece indicar que houve uma mudança nesse mundo dos espíritos e que o lugar ocupado pelos justos que aguardam a ressurreição foi traslado para as regiões celestiais[1] ”.

A implicação obvia de acordo com esta proposta de Pearlman é que “desde este acontecimento os espíritos dos justos sobem para o céu [2]”. Bom, se os espíritos dos santos do AT subiram para o céu a partir deste momento especial, a conclusão lógica, é que antes de Cristo, os fieis iam para o inferno e que estavam presos por lá até Cristo chegar. Mas onde exatamente, encontramos na bíblia idéia de que os santos do AT foram para o inferno após a morte [3]? Vejamos algumas considerações:

Em primeiro lugar, devemos lembrar que o contexto maior de Pedro, não especifica crentes no Antigo Testamento em geral, mas só os que foram desobedientes “nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca (I Pe 3.20). Em segundo lugar, o texto não diz que Cristo pregou aos que eram crentes ou fieis a Deus, mas os que “noutro tempo foram desobedientes” – a ênfase está na desobediência deles[4] . Em terceiro, o “seio de Abraão” (Lc. 16.23), provavelmente não é uma descrição do inferno e sim do céu, uma vez que o lugar para onde Abraão foi é chamado por Jesus de reino dos céus (Mt. 8.11). Em quarto, a Bíblia registra em muitas passagens que a alma dos santos do AT após morrerem vão diretamente para o céu[5] , porque seus pecados foram perdoados pela confiança no Messias que viria (Gn 5.24; 2Sm 12.23; Sl 16.11; 17.15; 23.6; Ec. 12.7; Mt 22.32-32; Lc 16.22; Rm 4.1-8; Hb 11.5).

Ainda que esta posição seja melhor que a primeira (segunda chance para os penitentes), e a também a mais popular[6] , estas considerações enumeradas acima, mostram muitos pontos fracos, o que nos leva desconsiderá-la como uma interpretação válida.


1- Myer Pearlman, Conhecendo as doutrina da Bíblia, p. 375.
2- Idem, p. 375.
3- De acordo com os partidários desta posição havia dois compartimentos no inferno, uma para os salvos e outro para os perdidos. Esta proposta esta baseada principalmente em Lc. 16.19-31 que fala sobre o local dos mortos (em hb. Sheol e gg. Hades, ambos vocábulos significam sepultura). A parábola do Rico e Lazaro fala que os dois morreram. O primeiro foi para o Inferno e o segundo para o Seio de Abraão. Myer Pearlman conclui a partir daí que havia duas divisões no Sheol, um lugar de sofrimento e outro lugar de descanso. Até mesmo a morada dos santos mortos, não era o céu propriamente dito, mas estava situado nas regiões inferiores.
4- Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 493.
5- De uma maneira curiosa Myer Pearlman confirma esta idéia, o que obviamente contradiz o que ele quer comprovar. Myer afirma que “havia pessoas verdadeiramente justificadas antes da obra expiatória de Cristo” - (Abraão – Rm.4.23; Moises – Lc.9.30-31; Enoque e Elias ambos arrebatados para o céu). – Myer Pearlman, Conhecendo as doutrinas da Bíblia, p. 197.
6- O pastor e apologista da doutrina pentecostal, Marco Feliciano, considerado como “o pregador do povo”, popularizou esta posição em sua pregação intitulada “A agonia da cruz”, pregado na Igreja Assembléia de Deus (dez/2004). De uma maneira bastante eloqüente e poética, o pregador leva o público a meditar no momento em que Cristo desceu ao inferno e quebrou as cadeias dos santos do AT que estavam aprisionados.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

I Pe 3.19 - Jesus desceu ao inferno? (Parte 1) / Daniel Grubba

A Bíblia, como qualquer outro livro da antiguidade, contem algumas passagens que são de difícil interpretação. E mesmo com tanto progresso exegético e hermenêutico, ainda assim, em alguns casos específicos, a busca pelo real significado do texto é uma tarefa árdua. Todavia, a complexidade da tarefa não nos impede de tentarmos transpor estes abismos, seja ele cultural, histórico, religioso, teológico, filosófico ou lingüístico, uma vez que a teologia exegética tem desenvolvido, em contato com outros ramos do saber, algumas ferramentas fundamentais, que certamente nos ajudará a transpor os abismos.

Dos muitos textos bíblicos que tiram o sono dos teólogos, existe um que simboliza toda esta questão. O texto é I Pedro. 3.17-20. Assim está registrado:

Porque melhor é sofrerdes fazendo o bem, se a vontade de Deus assim o quer, do que fazendo o mal. Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água.

Destes três versículos, há um que chama atenção de qualquer leitor atencioso. No verso 19, o autor, está afirmando categoricamente que Jesus pregou aos espíritos em prisão. Mas que raio de espíritos são esses? Quando e onde exatamente Jesus pregou a estes espíritos? Porventura, são estes espíritos, espíritos dos mortos santos? Ou pecadores? Ou são espíritos malignos? Como vemos, muitas questões vem à tona, porque o texto não é claro em respondê-las. Mas este texto suscita uma outra outra pergunta, que pode ser considerada como a “pergunta que não quer calar”. Jesus desceu ao inferno para pregar aos espíritos? Obviamente, esta pergunta ainda tem destroncamentos. Existem outros textos bíblicos que apóiam esta interpretação? Qual a razão de Jesus ter ido pregar aos espíritos no inferno?

Este é o tipo de texto em que devemos tomar muito cuidado, justamente por causa da sua falta de clareza. Uma das regras da hermenêutica bíblica, desenvolvida por Agostinho (354-430 d.C.), serve muito bem de alerta contra a tentação de apoiar uma doutrina em um versículo enigmático. A nona regra de Agostinho, conforme resumo de Ramm, preza que “se um significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé ortodoxa” [1]. Esta regra é tão bem fundamentada que nunca foi descartada e ainda esta em voga. Norman Geisler, renomado teólogo da atualidade, afirma que é um grande erro “basear um ensino numa passagem obscura”[2].

A primeira proposta que deve ser descarta como herética, é a idéia equivocada de que Jesus foi ao inferno para dar uma segunda oportunidade aos incrédulos que morreram em iniqüidade. Mas alguém crê nisso realmente? Sim. Este é o caso dos universalistas[3], mas principalmente dos mórmons, que acreditam baseado neste versículo que as pessoas têm uma segunda chance de serem salvas após a morte, afinal, um Deus realmente amoroso deve ser capaz de oferecer uma outra oportunidade as pessoas no sentido delas poderem mudar de decisão.

Primeiramente, esta idéia pressupõe que Deus não deu oportunidades as pessoas antes de elas morrerem, ou que simplesmente não houve tempo suficiente para o indivíduo tomar uma decisão, e isto se trata evidentemente, de uma especulação sem nenhum fundamento. Em segundo, a bíblia não dá suporte a esta idéia. O texto de II Pe 3.9 declara que Deus esta aguardando, mediante sua longaminidade, o arrependimento dos homens, e isto quer dizer que ninguém pode alegar falta de tempo. Um outro testemunho bíblico bastante incisivo, que refuta esta idéia de que não houve oportunidades antes da morte, foi elaborado pelo apóstolo Paulo em Rm. 1.20, que diz que a verdade de Deus esta claramente revelada através da obra de sua criação, portanto todos são indesculpáveis. E para aumentar ainda mais a responsabilidade do homem em relação às imutáveis leis de Deus, Paulo enfatiza, mas também amplia a idéia de Rm 1.20 em Rm 2.15, declarando que Deus colocou sua lei moral na consciência de todos os homens, tanto judeus, que tinham a lei escrita, quanto gentios, que não a tinham. Segue-se ainda o fato da bíblia, sem qualquer chance de interpretação dúbia, declarar “que aos homens está destinado morrer uma só vez e depois vem o juízo” (Hb 9.27, ver também Lc.16.26).

J.P. Moreland, filósofo e teólogo cristão, reforça o testemunho bíblico acrescentando um argumento filosófico bastante interessante. Ele diz que “se as pessoas vissem o trono do julgamento de Deus após a morte, isto seria tão coercitivo que não mais teriam a possibilidade da livre escolha e qualquer decisão que tomassem não seria uma livre escolha real e genuína, mas totalmente forçada, uma vez que estariam fazendo uma escolha prudente só para evitar o juízo[4]”. Ainda no aspecto ético-filosófico, Wayne Grudem nos lembra que Pedro não diz que Jesus pregou aos espíritos em geral, mas só aos que “noutro tempo foram desobedientes [...] enquanto se prepara a arca[5]”. E se Cristo ofereceu uma segunda oportunidade de salvação, porque só a esses pecadores da época de Noé e não a todos[6]?


[1] Citado por Henry Virkler em Hermenêutica Avançada, p. 45.
[2] Norman Geisler enumera em seu livro Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e contradições da Bíblia, os principais erros de categoria cometidos pelos críticos da Bíblia. Abordamos a número 6 que diz: basear um ensino em uma passagem obscura. Lista completa, p.18-32.
[3] Sistema teológico e filosófico que afirma (baseado mais na intuição humano do que na doutrina bíblica), que todos os homens serão salvos. Na pior das hipóteses o inferno que existe é apenas um período passageiro, uma espécie de purgatório. Mais detalhes em Enciclopédia de apologética (Norman Geisler). p.847-852
[4] Citado no livro de Lee Strobel, Em defesa da fé, p.256.
[5] Isto fala de um publico bastante limitado (I Pe. 3.20) – rebeldes [...] da época de Noé. Portanto qualquer teoria que se baseie em I Ped. 3.19 deve levar em alta consideração este contexto maior, que declara de maneira muito clara que Jesus pregou aos “espíritos em prisão” que se rebelaram enquanto se preparava a arca. Perceba que o texto não indicou o que vem a ser estes “espíritos em prisão”.
[6] Conforme argumentação de Wayne Grudem em Teologia Sistemática, p. 492.

Daniel Grubba
Soli Deo Gloria

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Eu li e recomendo...Defendendo sua fé / R.C. Sproul

VOCÊ SABE NO QUE ACREDITA, mas poderia explicar para quem tem sérias dúvidas sobre as verdades reivindicadas pelo cristianismo?

Aqueles que se opõem ao cristianismo se esforçam bastante para fechar as mentes e lábios dos que professam a fé em Jesus, tentando fazer com que a fé pareça inculta e ingênua. Desde as universidades seculares à mídia em voga, os cristãos encontram seus valores fundamentais sendo desafiados e ridicularizados diariamente. Neste livro, o respeitável autor e professor R. C. Sproul prepara os leitores para terem uma apresentação convincente do que acreditam e a combaterem os ataques em virtude do seu compromisso com Cristo.

Defendendo sua Fé é uma visão geral da história e fundamentos da apologética. Dr. Sproul mostra como a razão (aristotélica), as principais leis de raciocínio e a pesquisa científica podem ser aliadas na defesa da existência de Deus e das verdades históricas reivindicadas por Jesus Cristo. Leitores que desejam uma defesa lógica e bíblica da fé encontrarão neste livro um recurso indispensável para estudos individuais, em pequenos grupos ou em salas de aula.

Li e recomendo...Panorama do Novo Testamento / Robert H. Gundry

Panorama do Novo Testamento é considerado pelos estudiosos um clássico e vem sendo usado no Brasil há mais de 20 anos como livro de referência em seminários que oferecem cursos de introdução ao Novo Testamento de alto nível.

A riqueza de informações deste livro torna-o uma poderosa ferramenta de estudos neotestamentários. Por ele, o estudioso é colocado no ambiente em que se formaram os textos do Novo Testamento.

Discussões francas e objetivas sobre a composição dos livros (local, autoria, data e autenticidade), sobre os primeiros destinatários e sobre o mundo político e religioso de então são vitais para uma compreensão bem centrada do texto sagrado. Destaque-se ainda o fato de que o autor inclui vasto material sobre o período intertestamentário. Mais e 100 fotos, mapas e gráficos tornam este livro ainda mais prático e valioso.

Robert H. Gundry é hoje Scholar-in-Residente do Westmont College, em Santa Bárbara, na Califórnia. É um grande especialista em diversas áreas de estudo, entre elas o grego e a teologia do Novo Testamento, escatologia, e os evangelhos. Em 1961, recebeu o título de Ph. D. em Estudos do Novo Testamento pela Manchester University. Foi agraciado com o prêmio de Melhor Professor do Ano (Theacher of the Year Award) por três vezes, tendo recebido também outros prêmios como o Faculty Rewearcher of the Year Award e o Sears-Roebuck Foundation Teaching Execellence anda Campus Leadership Award.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Eu li e recomendo...Introdução a Teologia Sistemática / Vincent Cheung

Uma teologia para quem gosta de pensar.

Introdução à Teologia Sistemática, de Vincent Cheung, destaca-se pela ênfase na inter-relação das doutrinas bíblicas e por sua organização em uma progressão lógica, como na Confissão de Fé de Westminster. O autor aborda desde as pré-condições epistemológicas da cosmovisão cristã até a perseverança dos santos. Os três principais temas da obra são a infalibilidade das Escrituras, a soberania de Deus e a centralidade da mente, os quais estão divididos em partes que compreendem teologia, as Escrituras, Deus, homem, Cristo e salvação. Por tratar-se de uma introdução ao estudo de Teologia, como diz o próprio autor, não prende o leitor ao exame de minúcias e complexidades como o fazem alguns textos. O autor se propõe a orientar e a conduzir no estudo das doutrinas básicas da fé cristã e isso consegue de maneira adequada diante dos desafios do nosso tempo. “Nesta era de mentes teológicas atrofiadas, vendidas ao liberalismo e ao misticismo, só nos resta dar as boas-vindas a este livro (...) Boa leitura, portanto. Você poderá não concordar com Cheung em tudo, mas ele lhe estimulará a pensar e a defender a sua compreensão e as suas convicções – ou a modificá-las, quando sentir o peso da argu-mentação bíblica e assim for direcionado pelo soberano Espírito Santo de Deus.” (Prefácio de Solano Portela)


Soli Deo Gloria