quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Construção da identidade autônoma

Daniel Grubba


O ser humano está em busca de sua identidade - quem sou eu? - Não queremos apenas existir, queremos saber quem somos. Não é tanto "o que sou", mas principalmente "quem sou". Senão não se compreende, e mais do que isto: não encontra o sentido de sua existência. A resposta para esta pergunta existencial (quem sou eu?) só pode ser respondida pelo ministério da alteridade, do outro que me provoca a ser e principalmente do Outro, do Deus Vivo, que diz sim a nossa existência, e torna possível a formulação da nossa identidade.

O conceito da alteridade, do outro que me provoca a ser, é fundamental para a construção da nossa identidade. Repare na atividade essêncial da nominação, isto é, dar um nome. É na nomeação que o ser anônimo é integrado na comunidade dos outros e deixa de ser alguém desconhecido e incognoscível, para tornar-se uma pessoa.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vazio do tamanho de Deus

Daniel Grubba

Concordo que o título é estranho mesmo. Deus não é uma categoria mensurável. Não há possibilidade alguma em falarmos em "tamanho" de Deus. Qualquer proposição neste sentido soará tão irracional quanto a tentativa de abordar o peso gravitacional da cor verde. Isto simplesmente não existe, é um erro categórico. Deus está para além da matéria e do tempo. Ele é Totalmente Outro.

Mas foi de forma analógica, pois somente assim conseguimos ter alguns vislumbres do Ser de Deus, que o brilhante e apaixonado escritor russo Dostoiévski, disse: "Todo homem carrega no peito um vazio do tamanho de Deus".


Creio que este vazio já foi dissecado conceitualmente pelos mais variados eruditos em todas áreas do conhecimento humano. No entanto, creio que foi C.S Lewis que consegui falar de algo tão "profundo", por assim dizer, de modo mais simples possível. O texto inteiro é maravilhoso*, mas deixo apenas uma citação para meditação.

"Deus nos criou como um homem inventa uma máquina. Um carro é feito para ser movido a gasolina. Deus concebeu a máquina humana para ser movida por ele mesmo. O próprio Deus é o combustível que nosso espírito deve queimar, ou o alimento do qual deve se alimentar. Não existe outro combustível, outro alimento. Esse é o motivo pelo qual não podemos pedir que Deus nos faça felizes e ao mesmo tempo não dar a mínima para a religião. Deus não pode nos dar uma paz e uma felicidade distintas dele mesmo, porque fora dele não se encontram. Tal coisa não existe".

"Somos feitos para Deus e nunca estaremos satisfeitos com menos do que isso."
Brennan Manning


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* O título do capítulo é A alternativa estarrecedora em Cristianismo Puro e Simples, p.66.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Evangelho da Verdadeira Liberdade

Por Daniel Grubba



Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.
- Paulo em II Co 3.17 -



A interpretação mais corriqueira deste pequeno versículo parece sempre estar ligada a liberdade litúrgica. É muito comum ouvirmos, principalmente em comunidades mais carismáticas, algo assim: Irmãos, na presença do Senhor temos liberdade, podemos cantar em todos ritmos, dançar como Davi dançou, chorar copiosamente, cair na unção, orar em línguas o mais alto para que todos ouçam, ou se preferir, ficar em silêncio contemplativo. Então, no fim da breve ministração concluem citando o versículo supracitado. É muito bonito, mas este trecho de II Co 2 não tem absolutamente, nada haver com liberdade que se expressa no culto.



Liberdade de culto?


Levarei em conta apenas duas considerações. Em primeiro, a contrário dos mais tradicionais, penso que a flexibilidade litúrgica traz dinâmica e vida ao culto. Não creio que o culto cristão, para ser mais solene, deva assemelhar-se a um funeral, ou deva zelar a todo custo por uma estrutura tradicionalista, rígida e imutável. Desde que haja ordem e decência como nos orienta Paulo em I Co 14.40, podemos torná-lo mais feliz, por assim dizer. Não podemos nos esquecer que nosso povo é expansivo, passional, alegre. Há que se compreender os aspectos culturais. O culto no Norte do país em uma Assembleia Pentecostal, será muito diferente do culto celebrado no Sul em um igreja luterana. Por isto, sempre haverá perigo na vã tentativa da sacralização ou demonização de aspectos culturais "a-morais" e singulares de cada região.


Erro crasso de interpretação

A segunda consideração que gostaria de registrar é de natureza hermenêutica. Como já disse na introdução, a liberdade que o Espírito promove não tem nada a ver com a vida cúltica. Afirmar isto, além de reduzir ao máximo o profundo significado do texto, também é um erro crasso de interpretação. Apenas quem não conhece o contexto imediato do capítulo 3 do segundo livro aos Coríntios pode dizer que a frase - onde o Espírito do Senhor está, ai a liberdade - significa liberdade para "fazer o que der vontade de fazer" no culto.

A verdadeira Liberdade

Então, de que somos libertos afinal? Que espécie de liberdade o Espírito do Senhor promove? Simples, leia todo o capítulo II Co 3.1-18. Como alguém já disse: texto sem contexto, é pretexto.

A primeira coisa que deve ficar bem clara é que a liberdade do Espírito do Senhor, que Paulo discorre em toda perícope, não está de modo algum relacionada a expressões litúrgicas de culto. Pois a maravilhosa libertação ocorre em nós, no interior da gente, no modo como nos relacionamos com Deus em nossos corações, e não fora de nós. Pois é bem possível que haja pessoas que dançam, correm e pulam no culto, mas em seu interior são consumidas por um medo angustiante de serem riscadas do livro da vida, de serem consideradas indignas do Reino, de não serem amadas incondicionalmente por Deus. Sim, muitas vezes, estão pulando, dançando, gritando, pois querem convencer a Deus de que são dignas em si mesmas de obterem a salvação, de que são merecedoras de serem abençoadas. E neste caso, toda liberdade do culto, em todas suas expressões, deflagram apenas uma devoção patrocinada pela culpa.

Então, de acordo com Paulo, seguindo a sequência natural de texto, devemos afirmar que somos libertos da toda frustração e culpa que provém de nossas inúteis e arrogantes tentativas de afirmar nossa justiça diante de Deus mediante a obediência da Lei. Vejamos:

Vers. 3.3 - Somos libertos pelo Espírito do Deus vivo, de um relacionamento primitivo que se fundamenta em tábuas de pedra como na Antiga Aliança, para nos relacionarmos intimamente com Deus, nas tábuas de carne do coração. Paulo está dizendo, na verdade, que não tinha nenhum código de leis, regras legalistas, preceitos mosaicos - tábuas de pedra - para apresentar ao povo de Corinto, como meio de relacionar-se com Deus. Ao contrário, eles iriam discernir a vontade de Deus, lendo e observando as tábuas de carne. Ou seja, o modo de viver de um cristão que aprendeu amar (I Co 13).

Vers. 3.6 - Somos libertos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra do Antiga Aliança, mas do Espírito; porque a letra, os códigos, os preceitos, e as ordenanças da Lei, são as coisas que matam pela imposição da culpa, mas é o Espírito que vivifica. Posto que a Lei só serviu para mostrar o quanto somos pecadores e incapazes de cumpri-la. "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus." (Rm 3.19).

Vers. 3.7-8 - Somos libertos do ministério da morte que foi gravado com letras em pedras. E que apesar de toda gloria, que estampava-se na face de Moisés, era transitória e temporal; Ficou velha e caduca, pois Hebreus 8.13 diz: Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar. Fomos chamados a liberdade da glória do ministério do Espírito, que é infinitamente maior e eterna.

Vers. 3.9 - Fomos libertos do ministério da condenação, que foi glorioso, mas muito mais excederá em glória o ministério da justiça. Sim, a lei - letra que mata - nos encerrou debaixo do pecado destituindo-nos da gloria, mas a justiça de Cristo, nos declarou para sempre justos diante de Rei. Portanto, não há mais condenação (Rm 8.1).

Vers. 3.11 - Fomos libertos do que era transitório e temporal. E apesar de todo o esforço dos evangélicos legalistas de reavivar uma Lei para se ufanarem de seus gloriosos feitos [...] Nós, os que acreditamos na justificação pela fé, não nos apoiamos em nossa obediência a Lei, que não passam de trapos de imundícia, pois é por Cristo que temos tal confiança em Deus; Pois como disse Paulo em II Co 3.5: "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus".

Vers. 3.13 - Fomos libertos da tendência de reproduzir a espiritualidade de Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório. Pois fomos chamados à sermos a semelhança do Filho de Deus, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8.29).

Vers. 3.14 - Fomos libertos do endurecimento dos sentidos; libertos do véu que nos obrigava a guardar a Lei, a qual foi por Cristo abolida. Sim, não somos mais obrigados a obedecer a Lei como meio de justificação, pois ninguém nunca será justificado pelas obras da lei (Gl 2.16).

Vers. 3.18 - Fomos libertos e todos nós, com rosto descoberto, refletimos como um espelho a glória do Senhor; somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. A transformação é obra de Deus, não é algo que possamos fazer por nós mesmos.

Posto isto, devemos afirmar, de acordo com a consciência do Evangelho, que toda e qualquer tentativa humana de guardar a Lei, produzirá frustração e culpa. Sim, ora ficaremos frustrados por descobrir que é impossível cumprir os preceitos, e automaticamente seremos condenados a estado crônico de culpa e ansiedade.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder descansar no fato, de que tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder seguir rumo ao alvo, sem ter a necessidade de olhar para as coisas antigas, pois quem está em Cristo é uma nova criatura, tudo ficou para trás, e novas coisas se fizeram.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é não aniquilar a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu em vão. É poder cantar, dançar, pular; ou se preferir ficar em silêncio em profunda reverência, desde que o coração esteja apaziguado na maravilhosa graça de Deus.

O paradoxo da nossa humanidade


Por Daniel Grubba


Todos os seres humanos, sem distinção alguma, carregam dentro de si mesmos uma dimensão existêncial de paradoxos. Para alguns, isto se traduz em angustia e desespero, e para outros é apenas um desafio a ser vencido.


Todos os seres humanos, sem distinção alguma, são feitos a imagem e semelhança de Deus, e paradoxalmente também possuem uma natureza caída e corrompida, o que os teólogos costumam chamar de "consequências do pecado original"

Viktor Frankl, psicanalista vienense e sobrevivente dos campos nazistas de concentração, captou com exatidão este paradoxo de nossa humanidade quando disse que o ser humano "é o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmeras de gás, de cabeça erguida, com uma oração nos lábios"

O pastor e professor John Stott corrobora dizendo que "somos capazes da mais excelente nobreza e da mais baixa crueldade. Somos capazes de nos comportar por um momento como Deus, a cuja imagem fomos criados, e no momento seguinte como bestas, de quem fomos feitos para ser para sempre distintos."

É exatamente este paradoxo, que nos torna capazes de, por exemplo, jogar aviões em prédios, e ao mesmo tempo, adentrar bravamente dentro deles enquanto estão ruindo para salvar vidas.

Este paradoxo abalou as razões dos seres pensantes durante toda história humana. E foi pensando em resolvê-lo, como quem busca saída para contradições, que a filosofia antropológica se debruçou sobre o paradoxo de nossa humanidade e chegou basicamente a duas conclusões distintas. Um de seus entroncamentos mais otimistas, de tendências humanistas, enfatiza a gloria do ser humano e o coloca no centro do universo. A outra via, de orientação existencialista, vai ao extremo oposto, é pessimista e beira ao desespero.

Penso que ambas tradições filosóficas nos ajudam a compreender a dimensão de nossa humanidade, mas nenhuma delas consegue ser tão equilibrada quanto a proposta que somente o cristianismo autêntico estabelece como o realismo radical da Bíblia. "As Escrituras preservam o paradoxo, a saber: a glória e a vergonha de nossa humanidade, nossa dignidade e nossa depravação" diz John Stott.

Não sei quanto a você, mas sou um daqueles que em virtude destes paradoxos interiores, revolve-se em uma dolorosa dialética entre cinzas e glória, entre fraquezas e conquistas. Fico deprimido, angustiado, perco-me em meio as inconstâncias do meu ser e entro em desespero frente aos meus desvios de conduta. No entanto, tenho a absoluta convicção de que serei completamente purificado e absolvido da degradação do meu pecado e viverei a plenitude que só é possível ao novo coração que recebi do Pai.

Porque mais forte que nosso paradoxo, é a oferta revolucionária do Evangelho. Pois Cristo morreu para nos purificar e, pela obra regeneradora de seu Espírito Santo, ele pode nos tornar novos.

Em espírito e em verdade


Por Ed René Kvitz

Ao ensinar que Deus é Espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade, estava respondendo uma pergunta da mulher samaritana que queria saber o lugar certo de adorar.

A pergunta da samaritana fazia sentido para uma mente religiosa, que aprendeu a se relacionar com Deus a partir de lugares, pessoas e rituais sagrados. A religião faz isso mesmo, oferece uma forma e um conjunto de regras para que a relação com o divino aconteça da maneira correta. As pessoas precisam de dias, horas, atividades e lugares específicos onde materializar a pessoa e a presença de Deus. Precisam também de pessoas sagradas, que representem Deus, ouçam a voz de Deus e falem em nome de Deus.

Parece coisa de criança, que quando pergunta quantos dias faltam para a a Páscoa, a gente tem que mostrar os quadradinhos do calendário ou colocar um montinho de palitos de fósforo, que vão sendo subtraídos a cada dia, e então a gente diz: "falta um monte assim". A mente humana tem necessidade de dar forma, mensurar e delimitar, para poder avaliar, contabilizar e controlar.

Quando a samaritana perguntou a respeito do lugar certo para adorar, na verdade trazia uma afirmação nas entrelinhas de sua questão: existem regras que explicam como Deus funciona. Este é o pensamento mecânico, de causa e efeito, do tipo "se, então": se eu sou fiel no dízimo, então Deus me abençoa; se eu sou assíduo aos cultos, então vou crescer na fé; se eu leio a Bíblia todo dia, então terei sabedoria; se obedeço a Deus, então ficarei livre das desgraças; se eu me santifico, então minha adoração será recebida por Deus; se, então, se, então...

Mas Jesus não acreditava nisso. Sua proposta foi radical. Ensinou que jamais alguém deveria tentar confinar Deus a um lugar, um ritual, uma doutrina, uma idéia, uma forma e muito menos uma fôrma. No lugar da objetividade do relacionamento que pode ser medido e verificado, Jesus propôs a subjetividade da intimidade que ocorre na dança da Santíssima Trindade: adorar ao Pai, no espírito que é Santo, e no Filho que é a verdade. Não é tanto uma questão de regras de adoração para que Deus funcione, mas das coisas do coração, que como disse o filósofo, tem razões que a própria razão desconhece.

Fonte: Ibab

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Coração estranhamente aquecido


Daniel Grubba


No dia 24 de maio de 1738 às cinco horas da manhã de uma quarta-feira, João Wesley abriu sua Bíblia no Novo Testamento em 2 Pe 1:4 e seus conceitos anglicanos e arcaicos da justiça mediante obras da lei, que impregnavam sua alma, começaram a ruir:

Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina”.

Após a leitura uma frase invadiu seu pensamento e coração: "Não está longe do reino de Deus". No mesmo dia, a noite, foi à uma reunião na Rua Aldersgate, onde ouviu o prefácio de Lutero a Epístola de Paulo aos Romanos. Recebeu, naquele momento, uma palavra sobre a transformação que Deus opera no coração mediante a fé em Cristo e nunca mais foi o mesmo. Em seu diário está registrado assim:

"Cerca das nove menos um quarto, enquanto ouvia a descrição que Lutero fazia sobre a mudança que Deus opera no coração através da fé em Cristo, senti que meu coração ardia de maneira estranha. Senti que, em verdade, eu confiava somente em Cristo para a salvação e que uma certeza me foi dada de que Ele havia tirado meus pecados, em verdade meus, e que me havia salvo da lei do pecado e da morte. Comecei a orar com todo meu poder por aqueles que, de uma maneira especial, me haviam perseguido e insultado. Então testifiquei diante de todos os presentes o que, pela primeira vez, sentia em meu coração".

Que Deus aqueça nosso coração e nos livre de uma espiritualidade estéril, morta e desinteressante.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fé no absurdo



"Abraão creu na palavra divina de que todas as nações seriam abençoadas em sua posteridade, e continuou a crer nela ainda quando, após ser pai na velhice, lhe foi exigido o sacrifício de seu único filho, Isaac; ora, tal sacrifício, que tirava todo sentido racional à promessa, significou, para Abraão, a fé no absurdo, a certeza de que Deus o estava provando e a disposição de sacrificar, se necessário, Isaac (com a certeza de que este lhe seria restituído); realiza-se, assim, o movimento que parte da resignação infinita (pela qual renuncia a Isaac), em que se adquire a consciência do seu próprio valor eterno, e chega-se, pelo absurdo, à fé, em que se readquire o finito (a retomada de Isaac); tal movimento implica a angústia e o paradoxo pois, se é preciso coragem puramente humana para renunciar a toda a temporalidade a fim de obter a eternidade, é preciso a coragem da fé para, em razão do absurdo, encontrar a alegria na temporalidade finita e transformar, assim, um crime moral em algo santo e agradável. "

Kierkegaad em Temor e tremor.

domingo, 13 de setembro de 2009

Saia do meio deles !!!



Esta mensagem foi pregada no domingo posterior aos ataques das Torres Gêmeas. Vale a pena conferir. Cai como uma luva para todos nós.

É difícil ouvir e não se emocionar com o tom dramático e verdadeiro em que ela é anunciada.

Fonte: Genizah

Estranhezas Bíblicas


Por Daniel Grubba

Alguns dias atrás estávamos conversando com nosso professor de grego enquanto desciámos a rua da faculdade rumo ao metro e ele comentou um pouco acerca de seu projeto de tradução bíblica. Foi quanto ele nos disse, com todo cuidado para não escandalizar, de sua dificuldade em traduzir alguns termos bíblicos ou expressões idiomáticas, principalmente no AT, que certamente não passarão pelo crivo da Editora que o contratou e muito menos pelo padrão moral-religioso dos leitores. Ele nos contou de algumas passagens que trazem a palavra "fezes" (para não falar outra coisa, pois no original em hebraico seria b...) e que certamente ofende nosso pudor.

Agora verdade seja dita: Há algumas passagens bíblicas bem embaraçosas, não é mesmo? É batata!!! Todo leitor atento das Escrituras, cedo ou tarde, se depara com algumas delas. Nas minhas leituras, tem uma passagem, que sempre deixa-me como os malucos da foto. Está em Ezequiel 23.19 : 20 e diz assim no versão do Almeida (Revista e Atualizada):

Todavia ela multiplicou as suas prostituições, lembrando-se dos dias da sua mocidade, em que se prostituira na terra do Egito, apaixonando-se dos seus amantes, cujas carnes eram como as de jumentos, e cujo fluxo era como o de cavalos.

A principio esta passagem não chama muita atenção. Acontece que nesta versão (RA) os tradutores tentaram deixar o texto menos chocante. A tradução mais próxima do original seria assim, na versão CNBB:

Apaixonou-se por esses degenerados, cujos membros são como os de jumentos, e o orgasmo, como o de garanhões no cio.

O que muitos leitores se perguntam ao ler, não somente este trecho mas todo o capítulo 23 do profeta Ezequiel, (que por sinal fala da prostituição espiritual do povo de Israel), é o seguinte: Por que este profeta usou uma linguagem tão repulsiva?

No decorrer da história, principalmente entre os teólogos liberais do século XIX, começou a circular a idéia de que o profeta Ezequiel provavelmente sofresse de algum distúrbio psíquico mais ou menos profundo, sintomas estes que iriam de traços patológicos ou até mesmo esquizofrenia*. E de fato há coisas bem estranhas no comportamento do profeta, dentre as quais destacamos: experiências de arrebatamentos extáticos, a sua mudez temporária(3.22ss), o gesto simbólico de permanecer deitado durante 430 dias (4.4-8), e cozimento de sua comida sobre o esterco de vaca (4.12-15).

Porém, esta suposta "loucura" do profeta é apenas uma teoria. O que podemos ver claramente é que seu pensamento não é diferente de uma pessoa sadia. Ele é apenas um ardente apaixonado pelo seu povo e usa de gesto simbólicos para chamar atenção de um povo adormecido. E analisando a estrutura da sua mensagem observamos que "suas idéias aparecem unidas logicamente entre si, delas resultando um contexto homogêneo e coerente"*

A razão, portanto, da linguagem figurada tão realista de Ezequiel, é sua compaixão pelo povo e seu desejo de vê-los livre da ira divina. Falar ao povo nestes termos tão repulsivos era uma medida extrema de desespero. Para Ezequiel, o povo de Deus estava em flagrante prostituição em relação a aliança mosaica. Assim, o Egito seria o amante, o macho lascivo com que a fêmea promíscua, Jerusalém, desejava relações sexuais gratuitas. Esta claro, pelo contexto histórico, que havia entre este povo de Israel a obsessão pela aliança política com o Egito, algo considerado indecente aos olhos de Javé.

Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo. (I Pe 1.20-21)

Ezequiel foi contato entre os profetas inspirados e canônicos. E o mais impressionante nisto tudo, é que a inspiração divina não suprimiu as particularidades individuais de Ezequiel, por mais esquizitas que fossem, apenas as aperfeiçou para o chamado de Deus, tornando-as mais potentes e dinâmicas. E que assim seja conosco, amém!

Soli Deo Gloria
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*Mais informações em Introdução ao AT, p.584-585 (E. Sellin & G. Fohrer)
*Ibib, p.585.
Fonte: Bíblia de Estudo Vida

sábado, 12 de setembro de 2009

Apenas um número


"A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se de si mesmo, esquece o seu nome divino, não ousa crer em si mesmo e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar-se aos outros, ser uma imitação servil, um número, confundido no rebanho."

Kierkegaard
em Desespero Humano, p.37.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A natureza da Teologia


A palavra teologia refere-se ao estudo de Deus. Quando usada em sentido mais amplo, ela pode incluir todas as outras doutrinas reveladas na Escritura. Ora, Deus é o ser supremo que criou e sustenta até agora tudo o que existe; a Teologia procura entender e articular, de forma sistemática, as informações reveladas por ele a nós. Assim, a Teologia versa sobre a realidade última. Por ser o estudo da realidade última, nada é mais importante. Por contemplar e discutir esta realidade, ela, consequentemente, define e governa cada área da vida e do pensamento. Portanto, como Deus é o ser ou realidade última, a reflexão teológica é a atividade humana fundamental.

Vincent Cheung em Teologia Sistemática, p. 15.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Caminhando pela fé


Senhor Deus,
Não tenho a menor idéia de para onde estou indo,
Não enxergo o caminho à minha frente,
Não sei ao certo onde irá dar esse caminho.

Também não conheço verdadeiramente a mim mesmo,
E o fato de que penso que estou seguindo a Tua vontade
Não significa que realmente esteja seguindo a Tua vontade.

Mas acredito que o meu desejo de Te agradar
Realmente Te agrada.
E espero ter esse desejo em tudo o que fizer,
Espero nunca me afastar desse desejo.

Sei que, se assim o fizer,
Tu me guiarás pelo caminho correto
Embora eu possa nem saber que o estou trilhando.

Assim, confiarei sempre em Ti
Embora eu pareça estar perdido
E caminhando na sombra da morte.
E não temerei, porque Tu estás sempre comigo
E nunca deixarás que eu enfrente os perigos sozinho.
*****
(Thomaz Merton)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A judaicidade de Jesus


Por Daniel Grubba


Meu interesse pelo judaísmo começou bem no início da minha conversão, há 06 anos atrás, quando pela primeira vez abri o evangelho de Mateus no capítulo um. Confesso que fiquei meio perdido, pois encontrei alguns personagens até então bem desconhecidos para mim. O primeiro versículo diz assim: Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1.1). O rodapé da minha Bíblia indicava livros do Antigo Testamento e descobri rapidamente que a genealogia de Jesus era de um modo geral profundamente judaica.

Para meu espanto, diante de mim agora estava um Jesus tipicamente judeu. Na verdade, minha pré-concepção era simbolizada pela imagem de um Jesus bastante europeu, com cabelos loiros e olhos azuis, assim como ele estava pintado nas gravuras que vi na minha infância em um colégio católico.

Oskar Skarsaune, responsável pelo projeto The History of Jewish Believers in Jesus [A História dos Crentes Judeus em Jesus], professor da História da Igreja Primitiva, pesquisou a fundo as raízes históricas do cristianismo e publicou um livro sobre o assunto "A sombra do Templo". Sobre a nacionalidade judaica de Jesus, ele diz: "Simplesmente não se pensava em Jesus como judeu; para muitos cristãos piedosos, tal idéia deve ter sido chocante."

Logo após a Segunda Guerra Mundial, um ministro escocês, R.A. Stewart, escreveu: "É impossível ter uma compreensão histórica adequada do Novo Testamento sem um conhecimento detalhado da literatura e do pensamento judaico."

Mas antes de embarcar na biografia de Jesus segundo o evangelista Mateus, procurei ler as principais histórias do Antigo Testamento, para poder entender a profundidade do evangelho. Esta aventura de descobrimentos foi fantástica. A cada página descortinava um mundo onde Deus é real, participativo e atuante. Nesta peregrinação espiritual minha paixão pela bíblia e pelo povo de Israel foi despertada e pude entender a razão do choro de Jesus ao avistar a rebelde Jerusalém (Lc 19.41).

Josh McDowll, missionário do Campus Crusade for Christ (Cruzada Estudantil e Profissional) aclamado como um dos principais defensores da fé nos Estados Unidos, afirma que: Para analisar como Jesus de Nazaré realmente era quando Ele passou pela terra da Palestina, não se pode ignorar a evidência de sua judaicidade.

É triste, mas na igreja do século XXI são poucos os cristãos que entendem o contexto histórico onde surgiu o cristianismo e em qual ambiente ele foi gerado. Bruce L. Shelley, pesquisador e professor da historia do cristianismo costuma dizer que “os cristãos de hoje em dia sofrem de amnésia histórica”.

Certa vez minha esposa pediu em uma reunião de intercessão para orar pelos judeus e foi repreendida. Tínhamos acabado de voltar de Jerusalém, onde foi celebrada a nossa cerimônia de casamento. Disseram a ela que existem coisas mais importantes para orar. Na época me lembro de ter chegado a conclusão de que não os conhecemos como deveríamos e não os amamos como a Bíblia nos ensina.

Não defendo de modo algum um estilo de vida judaizante, ou um retorno ao judaísmo, mas se você deseja entender a profundidade do Evangelho, então você precisa obter algumas informações sobre como os ouvintes do tempo de Jesus viviam e pensavam. Tenho a absoluta certeza que sua leitura do Evangelho será muita mais interessante.

Deixo um trecho do Novo Testamento para meditação. Nas palavras do apóstolo Paulo, judeu da linhagem de Benjamim, conforme registrado em Romano 9.3-5;

Porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas, segunda a carne. São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a gloria, as alianças, a legislação, o culto e as promessas, deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!

Mas se Paulo não convence quanto a importância do povo judeu na história da revelação divina, talvez às palavras de Jesus quebrem as resistências, pois ele mesmo quando falava a mulher samaritana disse: Vos adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus (Jo 4.22).

Sexualidade em pauta


Por Daniel Grubba


No dia 28 de agosto estreiou na Rede Globo o programa "Amor e Sexo" com a apresentação de Fernanda Lima. A proposta desta nova programação global parece não ser apelativa como outros programas que abordam este tema, e que sempre desembocam na banalização da sexualidade. O próprio diretor, Ricardo Waddington, procurou tranquilizar o grande público antes mesmo da estréia. Ele disse: "Fizemos várias reuniões para discutir como poderíamos falar sobre sexo para toda a família. Afinal, o queremos afastar ninguém". Ele fez questão de ressaltar que o objetivo do programa não é constranger. "Será como um papo descontraído na sala de jantar. Ninguém vai se sentir incomodado. Apesar de pretendermos falar sobre tudo, faremos isso de uma maneira elegante", garante. A intenção é fazer um "programa família" sobre sexo.

Fiquei impressionado com a preocupação da direção do programa. A grande questão em debate nas reuniões dos bastidores era: "Como tratar desse assunto na TV aberta?" Afinal, a estimativa é alcançar 120 milhões de espectadores.

Quando me deparei com as notícias do novo programa da Globo, eu pensei: "Meu Deus, como se fala de sexo hoje em dia". É claro que este tema é super importante, uma vez que estamos falando de algo vital para raça humana, não somente como procriação, mas também como fonte de prazer e expressão de amor. No entanto, devemos nos perguntar se precisamos realmente de mais um programa que aborde este assunto. Será que ele vai ajudar a população brasileira a tratar o sexo com responsabilidade ou iremos ver mais um programa em favor da "propaganda da libertinagem"?

Me lembrei de um texto do C.S. Lewis intitulado Moralidade Sexual. Ele diz:

"As perversões do instinto sexual, porém são numerosas, difíceis de curar e assustadoras. Desculpe-me por descer a esses detalhes mas tenho de fazê-lo. Tenho de fazê-lo porque, há vinte anos, temos sido obrigados a engolir diariamente uma série enorme de mentiras contados sobre sexo. Tivemos de ouvir, ad nauseam, que o desejo sexual não difere de nenhum outro desejo natural, e que, se abandonarmos a tola e antiquada idéia vitoriana de tecer uma cortina de silêncio em torno dele, tudo neste jardim será maravilhoso. No momento em que examinarmos os fatos e nos distanciamos da propaganda, vemos que a coisa não é bem assim. Dizem que o sexo se tornou um problema grave porque não se falava sobre o assunto. Nos últimos anos, não foi isso que aconteceu. Todo o dia se fala sobre o assunto, mas ele continua sendo um problema [...] Existem pessoas que querem manter o nosso instinto sexual em chamas para lucrar com ele." (Grifos meus)

De fato, falar mais sobre o assunto não irá resolver nada, enquanto mentiras baseadas em verdades forem bombardeadas na mente das pessoas. A verdade é que o sexo é bom e divino, e a mentira é a sugestão de que qualquer ato sexual é saudável e normal e que reprimir os desejos é uma anomalia.

*****
"A submissão a todos os nossos desejos obviamente leva à impotência, à doença, à inveja, à mentira, à dissimulação, a tudo, enfim, que é contrário à saúde, ao bom humor e à franqueza. Para qualquer tipo de felicidade, mesmo neste mundo, é necessário comedimento."
(C.S. Lewis)
*****

Fontes:
http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2009/08/28/ult4244u3893.jhtm
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u612871.shtml
C.S. Lewis. Cristianismo puro e simples, p.124-136.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O propósito da construção literária

Por Daniel Grubba

A construção de um texto é uma etapa apaixonante no ofício literário. Quem gosta de escrever, sabe bem do que falo. Há um envolvimento dinâmico do escritor com os processos de inspiração-ação, que confere a alma um sentido estético todo especial.

Poderíamos dizer que nesta construção, a inspiração sem ação é atividade etérea e contra-producente. E ação literária, sem inspiração, é sequidão gramatical; não carrega em si a essência que desperta nossas sensorialidades.

No meu caso, percebo que geralmente um texto começa com um pensamento, uma idéia (ainda vaga), ou um desejo de dar luz a algo que lá no fundo ainda não passa de "rabiscos desconexos" em um papel, que chamamos de mente. Estas idéias iniciais são despertadas por livros, pregações, aulas expositivas, ou simplesmente via "atos de reflexão" a respeito de um objeto qualquer de investigação.

Este processo de construção literária, ganha força na medida que revisitamos este brain storm e o tornamos mais coeso. A coesão se dá justamente quando começamos a colocar no papel as idéias essênciais. Esta parte é muito interessante, pois geralmente é um momento em que começam a aparecer outros elementos que ajudam a tornar o produto final em uma reflexão lógica e racional. Aqui neste ponto entra os elementos complementares da pesquisa.

Deixando de lado o que já foi dito, eu pergunto a vocês: Porque escrevemos? Porque gastamos tanta energia na atividade literária? O que um texto pode despertar no leitor? Pergunto primeiramente a mim mesmo e depois para blogueiros, que como eu, não passam de pseudo-escritores amadores, no bom sentido do termo. Ou alguém aqui, salvo raras excessões, já virou um best-seller? Será que não somos como loucos gritando na praça para os transeuntes que não estão nem um pouco interessados em ler o resultado final de nossas reflexões?

Arriscaria dizer que todo escritor quer ser lido. Nada mais óbvio. O escritor quer uma audiência, um público para suas palavras, suas visões, suas verdades. Eis o que todos nos queremos: uma chance de dizer ao mundo o que sentimos, em que acreditamos, e como a realidade é para nós.