quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Teologia do altar




Por Daniel Grubba

A primeira vez que li sobre a "teologia do altar" foi no livro Pentecostal de mente e coração - um chamado ao dom divino do intelecto (por sinal, um excelente livro que me influênciou bastante). Simplificando, a teologia do altar é "o conceito de que uma benção de purificação e de poder instantâneos pode ser recebida pela fé, em vez o árduo processo de busca" (NAÑEZ, 2005).

Em termos práticos, isto significa que a pessoa vai ao altar em resposta a um apelo e recebe ali na hora, algo que para um simples mortal poderia durar toda uma vida. Pode ser uma cura física ou emocional, libertação de vícios, transformação do carácter defeituoso, capacitação profissional, idiomas e claro, não poderia faltar; riquezas materiais (isto é mais recente, os antigos pentecostais não eram materialistas). Esta ideologia passou a ser defendida a partir da década de 1840 e se tornou um dos pilares do pentecostalismo moderno, dominando todo o movimento durante todo o século XX.

Livros


"Queremos livros que nos afetem como um desastre. Um livro deve ser como um machado diante de um mar congelado em nós."

Franz Kafka, escritor tcheco

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Construção da identidade autônoma

Daniel Grubba


O ser humano está em busca de sua identidade - quem sou eu? - Não queremos apenas existir, queremos saber quem somos. Não é tanto "o que sou", mas principalmente "quem sou". Senão não se compreende, e mais do que isto: não encontra o sentido de sua existência. A resposta para esta pergunta existencial (quem sou eu?) só pode ser respondida pelo ministério da alteridade, do outro que me provoca a ser e principalmente do Outro, do Deus Vivo, que diz sim a nossa existência, e torna possível a formulação da nossa identidade.

O conceito da alteridade, do outro que me provoca a ser, é fundamental para a construção da nossa identidade. Repare na atividade essêncial da nominação, isto é, dar um nome. É na nomeação que o ser anônimo é integrado na comunidade dos outros e deixa de ser alguém desconhecido e incognoscível, para tornar-se uma pessoa.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vazio do tamanho de Deus

Daniel Grubba

Concordo que o título é estranho mesmo. Deus não é uma categoria mensurável. Não há possibilidade alguma em falarmos em "tamanho" de Deus. Qualquer proposição neste sentido soará tão irracional quanto a tentativa de abordar o peso gravitacional da cor verde. Isto simplesmente não existe, é um erro categórico. Deus está para além da matéria e do tempo. Ele é Totalmente Outro.

Mas foi de forma analógica, pois somente assim conseguimos ter alguns vislumbres do Ser de Deus, que o brilhante e apaixonado escritor russo Dostoiévski, disse: "Todo homem carrega no peito um vazio do tamanho de Deus".


Creio que este vazio já foi dissecado conceitualmente pelos mais variados eruditos em todas áreas do conhecimento humano. No entanto, creio que foi C.S Lewis que consegui falar de algo tão "profundo", por assim dizer, de modo mais simples possível. O texto inteiro é maravilhoso*, mas deixo apenas uma citação para meditação.

"Deus nos criou como um homem inventa uma máquina. Um carro é feito para ser movido a gasolina. Deus concebeu a máquina humana para ser movida por ele mesmo. O próprio Deus é o combustível que nosso espírito deve queimar, ou o alimento do qual deve se alimentar. Não existe outro combustível, outro alimento. Esse é o motivo pelo qual não podemos pedir que Deus nos faça felizes e ao mesmo tempo não dar a mínima para a religião. Deus não pode nos dar uma paz e uma felicidade distintas dele mesmo, porque fora dele não se encontram. Tal coisa não existe".

"Somos feitos para Deus e nunca estaremos satisfeitos com menos do que isso."
Brennan Manning


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* O título do capítulo é A alternativa estarrecedora em Cristianismo Puro e Simples, p.66.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Evangelho da Verdadeira Liberdade

Por Daniel Grubba



Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.
- Paulo em II Co 3.17 -



A interpretação mais corriqueira deste pequeno versículo parece sempre estar ligada a liberdade litúrgica. É muito comum ouvirmos, principalmente em comunidades mais carismáticas, algo assim: Irmãos, na presença do Senhor temos liberdade, podemos cantar em todos ritmos, dançar como Davi dançou, chorar copiosamente, cair na unção, orar em línguas o mais alto para que todos ouçam, ou se preferir, ficar em silêncio contemplativo. Então, no fim da breve ministração concluem citando o versículo supracitado. É muito bonito, mas este trecho de II Co 2 não tem absolutamente, nada haver com liberdade que se expressa no culto.



Liberdade de culto?


Levarei em conta apenas duas considerações. Em primeiro, a contrário dos mais tradicionais, penso que a flexibilidade litúrgica traz dinâmica e vida ao culto. Não creio que o culto cristão, para ser mais solene, deva assemelhar-se a um funeral, ou deva zelar a todo custo por uma estrutura tradicionalista, rígida e imutável. Desde que haja ordem e decência como nos orienta Paulo em I Co 14.40, podemos torná-lo mais feliz, por assim dizer. Não podemos nos esquecer que nosso povo é expansivo, passional, alegre. Há que se compreender os aspectos culturais. O culto no Norte do país em uma Assembleia Pentecostal, será muito diferente do culto celebrado no Sul em um igreja luterana. Por isto, sempre haverá perigo na vã tentativa da sacralização ou demonização de aspectos culturais "a-morais" e singulares de cada região.


Erro crasso de interpretação

A segunda consideração que gostaria de registrar é de natureza hermenêutica. Como já disse na introdução, a liberdade que o Espírito promove não tem nada a ver com a vida cúltica. Afirmar isto, além de reduzir ao máximo o profundo significado do texto, também é um erro crasso de interpretação. Apenas quem não conhece o contexto imediato do capítulo 3 do segundo livro aos Coríntios pode dizer que a frase - onde o Espírito do Senhor está, ai a liberdade - significa liberdade para "fazer o que der vontade de fazer" no culto.

A verdadeira Liberdade

Então, de que somos libertos afinal? Que espécie de liberdade o Espírito do Senhor promove? Simples, leia todo o capítulo II Co 3.1-18. Como alguém já disse: texto sem contexto, é pretexto.

A primeira coisa que deve ficar bem clara é que a liberdade do Espírito do Senhor, que Paulo discorre em toda perícope, não está de modo algum relacionada a expressões litúrgicas de culto. Pois a maravilhosa libertação ocorre em nós, no interior da gente, no modo como nos relacionamos com Deus em nossos corações, e não fora de nós. Pois é bem possível que haja pessoas que dançam, correm e pulam no culto, mas em seu interior são consumidas por um medo angustiante de serem riscadas do livro da vida, de serem consideradas indignas do Reino, de não serem amadas incondicionalmente por Deus. Sim, muitas vezes, estão pulando, dançando, gritando, pois querem convencer a Deus de que são dignas em si mesmas de obterem a salvação, de que são merecedoras de serem abençoadas. E neste caso, toda liberdade do culto, em todas suas expressões, deflagram apenas uma devoção patrocinada pela culpa.

Então, de acordo com Paulo, seguindo a sequência natural de texto, devemos afirmar que somos libertos da toda frustração e culpa que provém de nossas inúteis e arrogantes tentativas de afirmar nossa justiça diante de Deus mediante a obediência da Lei. Vejamos:

Vers. 3.3 - Somos libertos pelo Espírito do Deus vivo, de um relacionamento primitivo que se fundamenta em tábuas de pedra como na Antiga Aliança, para nos relacionarmos intimamente com Deus, nas tábuas de carne do coração. Paulo está dizendo, na verdade, que não tinha nenhum código de leis, regras legalistas, preceitos mosaicos - tábuas de pedra - para apresentar ao povo de Corinto, como meio de relacionar-se com Deus. Ao contrário, eles iriam discernir a vontade de Deus, lendo e observando as tábuas de carne. Ou seja, o modo de viver de um cristão que aprendeu amar (I Co 13).

Vers. 3.6 - Somos libertos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra do Antiga Aliança, mas do Espírito; porque a letra, os códigos, os preceitos, e as ordenanças da Lei, são as coisas que matam pela imposição da culpa, mas é o Espírito que vivifica. Posto que a Lei só serviu para mostrar o quanto somos pecadores e incapazes de cumpri-la. "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus." (Rm 3.19).

Vers. 3.7-8 - Somos libertos do ministério da morte que foi gravado com letras em pedras. E que apesar de toda gloria, que estampava-se na face de Moisés, era transitória e temporal; Ficou velha e caduca, pois Hebreus 8.13 diz: Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar. Fomos chamados a liberdade da glória do ministério do Espírito, que é infinitamente maior e eterna.

Vers. 3.9 - Fomos libertos do ministério da condenação, que foi glorioso, mas muito mais excederá em glória o ministério da justiça. Sim, a lei - letra que mata - nos encerrou debaixo do pecado destituindo-nos da gloria, mas a justiça de Cristo, nos declarou para sempre justos diante de Rei. Portanto, não há mais condenação (Rm 8.1).

Vers. 3.11 - Fomos libertos do que era transitório e temporal. E apesar de todo o esforço dos evangélicos legalistas de reavivar uma Lei para se ufanarem de seus gloriosos feitos [...] Nós, os que acreditamos na justificação pela fé, não nos apoiamos em nossa obediência a Lei, que não passam de trapos de imundícia, pois é por Cristo que temos tal confiança em Deus; Pois como disse Paulo em II Co 3.5: "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus".

Vers. 3.13 - Fomos libertos da tendência de reproduzir a espiritualidade de Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório. Pois fomos chamados à sermos a semelhança do Filho de Deus, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8.29).

Vers. 3.14 - Fomos libertos do endurecimento dos sentidos; libertos do véu que nos obrigava a guardar a Lei, a qual foi por Cristo abolida. Sim, não somos mais obrigados a obedecer a Lei como meio de justificação, pois ninguém nunca será justificado pelas obras da lei (Gl 2.16).

Vers. 3.18 - Fomos libertos e todos nós, com rosto descoberto, refletimos como um espelho a glória do Senhor; somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. A transformação é obra de Deus, não é algo que possamos fazer por nós mesmos.

Posto isto, devemos afirmar, de acordo com a consciência do Evangelho, que toda e qualquer tentativa humana de guardar a Lei, produzirá frustração e culpa. Sim, ora ficaremos frustrados por descobrir que é impossível cumprir os preceitos, e automaticamente seremos condenados a estado crônico de culpa e ansiedade.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder descansar no fato, de que tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder seguir rumo ao alvo, sem ter a necessidade de olhar para as coisas antigas, pois quem está em Cristo é uma nova criatura, tudo ficou para trás, e novas coisas se fizeram.

Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é não aniquilar a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu em vão. É poder cantar, dançar, pular; ou se preferir ficar em silêncio em profunda reverência, desde que o coração esteja apaziguado na maravilhosa graça de Deus.

O paradoxo da nossa humanidade


Por Daniel Grubba


Todos os seres humanos, sem distinção alguma, carregam dentro de si mesmos uma dimensão existêncial de paradoxos. Para alguns, isto se traduz em angustia e desespero, e para outros é apenas um desafio a ser vencido.


Todos os seres humanos, sem distinção alguma, são feitos a imagem e semelhança de Deus, e paradoxalmente também possuem uma natureza caída e corrompida, o que os teólogos costumam chamar de "consequências do pecado original"

Viktor Frankl, psicanalista vienense e sobrevivente dos campos nazistas de concentração, captou com exatidão este paradoxo de nossa humanidade quando disse que o ser humano "é o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmeras de gás, de cabeça erguida, com uma oração nos lábios"

O pastor e professor John Stott corrobora dizendo que "somos capazes da mais excelente nobreza e da mais baixa crueldade. Somos capazes de nos comportar por um momento como Deus, a cuja imagem fomos criados, e no momento seguinte como bestas, de quem fomos feitos para ser para sempre distintos."

É exatamente este paradoxo, que nos torna capazes de, por exemplo, jogar aviões em prédios, e ao mesmo tempo, adentrar bravamente dentro deles enquanto estão ruindo para salvar vidas.

Este paradoxo abalou as razões dos seres pensantes durante toda história humana. E foi pensando em resolvê-lo, como quem busca saída para contradições, que a filosofia antropológica se debruçou sobre o paradoxo de nossa humanidade e chegou basicamente a duas conclusões distintas. Um de seus entroncamentos mais otimistas, de tendências humanistas, enfatiza a gloria do ser humano e o coloca no centro do universo. A outra via, de orientação existencialista, vai ao extremo oposto, é pessimista e beira ao desespero.

Penso que ambas tradições filosóficas nos ajudam a compreender a dimensão de nossa humanidade, mas nenhuma delas consegue ser tão equilibrada quanto a proposta que somente o cristianismo autêntico estabelece como o realismo radical da Bíblia. "As Escrituras preservam o paradoxo, a saber: a glória e a vergonha de nossa humanidade, nossa dignidade e nossa depravação" diz John Stott.

Não sei quanto a você, mas sou um daqueles que em virtude destes paradoxos interiores, revolve-se em uma dolorosa dialética entre cinzas e glória, entre fraquezas e conquistas. Fico deprimido, angustiado, perco-me em meio as inconstâncias do meu ser e entro em desespero frente aos meus desvios de conduta. No entanto, tenho a absoluta convicção de que serei completamente purificado e absolvido da degradação do meu pecado e viverei a plenitude que só é possível ao novo coração que recebi do Pai.

Porque mais forte que nosso paradoxo, é a oferta revolucionária do Evangelho. Pois Cristo morreu para nos purificar e, pela obra regeneradora de seu Espírito Santo, ele pode nos tornar novos.

Em espírito e em verdade


Por Ed René Kvitz

Ao ensinar que Deus é Espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade, estava respondendo uma pergunta da mulher samaritana que queria saber o lugar certo de adorar.

A pergunta da samaritana fazia sentido para uma mente religiosa, que aprendeu a se relacionar com Deus a partir de lugares, pessoas e rituais sagrados. A religião faz isso mesmo, oferece uma forma e um conjunto de regras para que a relação com o divino aconteça da maneira correta. As pessoas precisam de dias, horas, atividades e lugares específicos onde materializar a pessoa e a presença de Deus. Precisam também de pessoas sagradas, que representem Deus, ouçam a voz de Deus e falem em nome de Deus.

Parece coisa de criança, que quando pergunta quantos dias faltam para a a Páscoa, a gente tem que mostrar os quadradinhos do calendário ou colocar um montinho de palitos de fósforo, que vão sendo subtraídos a cada dia, e então a gente diz: "falta um monte assim". A mente humana tem necessidade de dar forma, mensurar e delimitar, para poder avaliar, contabilizar e controlar.

Quando a samaritana perguntou a respeito do lugar certo para adorar, na verdade trazia uma afirmação nas entrelinhas de sua questão: existem regras que explicam como Deus funciona. Este é o pensamento mecânico, de causa e efeito, do tipo "se, então": se eu sou fiel no dízimo, então Deus me abençoa; se eu sou assíduo aos cultos, então vou crescer na fé; se eu leio a Bíblia todo dia, então terei sabedoria; se obedeço a Deus, então ficarei livre das desgraças; se eu me santifico, então minha adoração será recebida por Deus; se, então, se, então...

Mas Jesus não acreditava nisso. Sua proposta foi radical. Ensinou que jamais alguém deveria tentar confinar Deus a um lugar, um ritual, uma doutrina, uma idéia, uma forma e muito menos uma fôrma. No lugar da objetividade do relacionamento que pode ser medido e verificado, Jesus propôs a subjetividade da intimidade que ocorre na dança da Santíssima Trindade: adorar ao Pai, no espírito que é Santo, e no Filho que é a verdade. Não é tanto uma questão de regras de adoração para que Deus funcione, mas das coisas do coração, que como disse o filósofo, tem razões que a própria razão desconhece.

Fonte: Ibab