sábado, 25 de abril de 2009

O cristão, o mundo e a crise

Rev. Charles Ellis clamando a Deus, no altar da igreja, por uma intervenção que impeça a falência de seus "ídolos motorizados".


Por Daniel Grubba

Fico consternado e preocupado com a alienação do povo evangélico. Frases como "eu não sou do mundo" ou "quando eu era do mundo" chegam a causar uma certa palpitação em meu ser. A palavra "mundo" e seus variados significados bíblicos no NT (pelos menos três significados distintos no grego koinê) são tão mal compreendidos que tenho a impressão de que estamos vivendo em uma bolha sem qualquer tipo de contato com o mundo-realidade que nos cerca, ou até mesmo que criamos um gueto onde nos sentimos razoavelmente confortáveis em meio a uma crise sem precedentes na história.

E para comprovar que não estou completamente equivocado, me diga você quando foi a última vez que você ouviu em seu gueto gospel uma análise sociológica bem fundamentada sobre a crise econômica mundial e suas trágicas consequências para os miseráveis da terra? Seja sincero e me responda se não ouviu dizer dos púlpitos que "a crise não afeta os cristãos porque não somos deste mundo e porque temos o direito de comer o melhor desta terra"? Ouvi um tele-evangelista dizer em alto e bom som: "O mundo está em crise, eu não!" Parece que a crise somente não chegou no mundinho dele, mas no mundo da maioria dos cristãos comuns e o mundo pelo qual Jesus morreu (Jo 3.16) as coisas não andam nada bem.

Alias, falando em mundo, não foi Jesus que orou "não peço que os tire do mundo, mas que os livres do mal (Jo 17.15)". Não foi também ele que afirmou "também eu os enviei ao mundo (Jo 17.18)"? Não foi ele que em parábola disse que "o campo é o mundo e a boa semente são os filhos do Reino (Mt. 13.38)? Pense comigo: Você é a semente, o campo é o mundo, e esta realidade campo-semente deve se uma relação de mútua troca de vida. O campo sem a semente continua sendo um campo, todavia um campo sem beleza (como o mundo hoje sem a influência daqueles que deveriam torná-lo belo). Agora uma semente que não se doa de forma vital ao campo, não serve para nada. Isto que dizer que se você não se doar a este mundo penetrando em suas profundezas, como a semente que morre no solo para produzir vida, então você acaba de assumir uma nauseante existência. Isto é, você existe, mas não tem motivos para existir. Sua vida é uma paixão inútil e neste caso você está apenas preenchendo seu tempo com futilidades até o dia da morte (como por exemplo, ir à igreja sem parar, porque não há nada a se fazer neste mundo irrecuperável).

O campo está em crise e literalmente abandonado. E as sementes que podem fazer florescer a vida, estão se ausentando desta tarefa divina. Por outro lado, a semeadura do joio está a todo vapor. Porque não queremos saber do mundo, os filhos das trevas o tomam como propriedade privada. Não se deixe enganar, todos nós estamos em crise, cristãos ou não, todos compartilhamos de um mesmo ambiente.

Leonardo Boff, teólogo brasileiro, expoente da teologia da libertação, nos ajuda a entender dimensão desta malfadada crise.

"A crise social mundial é terrificante. Os dados do Pnud 2007-2008 atestam que os 20% mais ricos absorvem 82,4% das riquezas mundiais enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6%. Quer dizer, é uma pequeníssima minoria que, em escala mundial, monopoliza o consumo enquanto os zeros econômicos são lançados na miséria. Há mais de 900 milhões de famintos, e a cada quatro segundos morre um ser humano de fome conforme refere J. Ziegler em seu relatório para a ONU sobre a pobreza no mundo. [...] A crise ecológica não é menor. Estamos já dentro do aquecimento global, que vai ser devastador para milhões de pessoas e para a biodiversidade. E. Wilson, renomado biólogo, denunciou que a cada ano a voracidade capitalista elimina definitivamente 3.500 espécies de seres vivos. Diante deste quadro dramático, só nos resta repetir o que deixou escrito em latim o gênio da crítica ao capital: "Dixi et salvavi animam meam" ("Disse e salvei a minha alma")."

Como sementes do mundo temos a responsabilidade de interagir com este campo, porque enquanto nos trancamos em nosso gueto-igreja em uma série de infindáveis reuniões, multidões de famintos morrem por dia e o planeta clama por socorro.

2 comentários:

Blog do Vailatti disse...

Bela reflexão, Daniel!

Muitas igrejas, à semelhança das naves espaciais do filme "Guerra nas Estrelas", parecem estar repletas de "ETs". Em que mundo esse povo vive, hein?!

Esse discurso falacioso que diz: "não somos desse mundo" deve ser confrontado com textos tais como João 16.33: "(...)no mundo tereis aflições(...)" e João 17.15, onde Jesus diz: "Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal".

Usar a nossa cidadania divina como desculpa para não nos envolvermos com os revezes de nossa cidadania humana é bastante temerário.

Abraços,

Carlos Augusto Vailatti

Email: augustovailatti@ig.com.br
Blog: http://blogdovailatti.blogspot.com

Daniel Grubba disse...

Valeu professor pelos comentários adcionais...Realmente as vezes penso que estou numa grande nave espacial...rsrs

Et, minha casa!!!!....

Obrigado mais uma vez pela ilustre visita...

Deus abençoe,
Daniel

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