segunda-feira, 9 de março de 2009

O filão religioso




O filão religioso / Ricardo Gondim


As Casas Bahia disputam o mesmo mercado que a Magazine Luiza. As duas lojas se engalfinham para abocanhar o filão dos eletrodomésticos, guarda-roupas de madeira aglomerada e camas de esponja fina. Buscam conquistar assalariados, serralheiros, aposentados e garis. Em seus comercias, o preço da geladeira aparece em caracteres pequenos, enquanto o valor da prestação explode gigante na tela da televisão. A patuléia calcula. Não importa o número de meses, se couber no orçamento, uma das duas, Bahia ou Luiza, fecha o negócio - o juro embutido deve ser um dos maiores do mundo.


Toda noite, entre oito e dez horas, a mesma lengalenga se repete nos programas evangélicos. Pelo menos quatro “ministérios” concorrem em outro mercado: o religioso. Todos caçam clientes que sustentem, em ordem de prioridade, os empreendimentos expansionistas, as ilusões messiânicas e o estilo de vida nababesco dos líderes. Assim, cada programa oferece milagres e todos calçam suas promessas com testemunhos de gente que jura ter sido brindada pelo divino. Deus lhes teria abençoado com uma vida sem sufoco. Infelizmente, o preço do produto religioso nunca é explicitado. Alardeia-se apenas a espetacular maravilha.


Considerando que a rádio também divulga prodígios a granel, como um cliente religioso pode optar? Para preferir uma igreja, precisa distinguir sobre qual missionário, apóstolo, pastor ou evangelista, Deus apontou o dedo. E se tiver uma filha com leucemia aguda, não pode errar. Ao apelar para uma igreja com pouco poder, perde a filha. O correto seria freqüentar todas. Mas como? Em nenhuma dessas igrejas televisivas o milagre é gratuito ou instantâneo. As letrinhas, que não aparecem na parte de baixo do vídeo, afirmariam que, por mais “ungido” que for o missionário, um monte de exigência vem embutida na promessa da bênção. É preciso ser constante nos cultos por várias semanas, contribuir financeiramente para que a obra de Deus continue e, ainda, manter-se corretíssimo. Um deslize mínimo impede o Todo Poderoso de operar; qualquer dúvida é considerada uma falta de fé, que mata a possibilidade do milagre.


Lojas de eletrodoméstico vendem eletrodoméstico, óbvio. Igrejas evangélicas comercializam a idéia de que agenciam o favor divino com exclusividade. E por esse serviço, cobram caro, muito caro. Afinal de contas, um produto celestial não pode ser considerado de quarta categoria. A "Brastemp" espiritual que os teleevangelistas oferecem vem do céu. O acesso ao milagre se complica, porque todos mercadejam o mesmo produto. Os critérios de escolha se reduzem a prazo de entrega, conforto e garantia. Opa, quase esqueci! As lojas, em conformidade com o Código do Consumidor, são obrigadas a dar garantia, mas as igrejas evangélicas não dão garantia alguma. O cliente nunca tem razão. Quando a filha morrer de leucemia, o pai, além de enlutado, será responsabilizado pela perda. Vai ter que escutar que a menina morreu porque ele “deu brecha” para o diabo, não foi fiel ou não teve fé.


Mercadologicamente, Casas Bahia e Magazine Luiza estão bem à frente das igrejas. Melhor assim, geladeira nova é bem mais útil do que a ilusão do milagre.


2 comentários:

Anonymous disse...

Sei que existe muito exagero por parte de nossos irmãos neo-pentecostais. E me envergonha de muitas barbaridades feitas em nome da fe ou de Deus. Mas o que outros ministerios ou igrejas (ditas sérias e comprometidas) estão realizando para que o espaço na tv e na midia seja ocupado pela Palavra genuina de Deus?

É fácil criticar e dificil de fazer. Muitas vezes optamos pelo anonimato e esta é uma atitude muito passiva. Outras exageram e são ousados no que fazem e extrapolam limites. Quem está com a razão?

Não quero emitir juizo. Creio que devo julgar e analizar minhas atitudes e buscar ser prudente mas não tão prudente. Ser ousado mas não abusado.

Não tenho tanto argumento e não quero me colocar na defensiva de quem quer que seja. Mas não me senti comodo com a dureza da critica do meu irmão Ricardo Gondim, o qual respeito e tenho em alta consideração. E vejo sua nota muito preconceituosa e carente de uma apresentação coerente e pratica para melhorarmos a imagem da fe que anunciamos.

Concordando ou não com os metodos usados por estes irmãos, não posso deixar de considerar que eles estão alcançando um contingente (filão) de pessoas que anteriormente não eram alcançadas.



"Uns pregam por... outros pregam por...."


Anderson Augusto Pariz
(aapariz@hotmail.com)

Daniel Grubba disse...

Olá Anderson,
Obrigado pela visita no blog.

Gostei bastante da sua reflexão ponderada em relação a este tema tão polêmico.

De fato, existem exageros de ambas as partes; críticos e criticados. Mas vejo a atitude de Gondim como um alerta ao "medo da conscientização".

E quanto a críticar e nada fazer, é perda de tempo e esforço desnecessário. Como disse Abraham Lincoln: "Aquele que critica e não intenciona ajudar, não deve ser ouvido".

Sou de uma igreja neopentecostal e procuro conscientizar meus semelhantes para que não incorram no erro do misticismo e mercantilização da fé.

Existe um outro ponto que deve ser observado com atenção. Toda crítica deve ser direcionada ao movimento, ao conceito de fé propagado, e não direcionado a moral das pessoas envolvidas. Até porque não sabemos a verdadeira intenção de tais movimentos expancionistas.

É uma intenção pura ou maligna? Se for maligna, o erro está sendo desmacarado. E se for pura do mesmo modo, posto que não podemos ser complacentes com atitudes que vão contra o espírito do evangelho. Isto que dizer, que os fins não podem justificar o meio. Se qualquer meio é justificado com o fim de que Cristo seja anunciado, então nunca poderemos julgar a Santa Inquisição ou as Cruzadas como um meio distorcido de levar a palavra.

Sobre seu questionamento da omissão de outras denominações na TV, existe argumentos bem razoáveis. Veja a justificativa presbiteriana no link abaixo:

http://tempora-mores.blogspot.com/2006/12/por-que-os-protestantes-histricos-no.html


Uma grande abraço,
Daniel

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