domingo, 2 de novembro de 2008

Jesus realmente desceu ao inferno? Daniel Grubba


Jesus realmente desceu ao inferno?

Colocamos em pauta as três principais soluções apresentadas pelos estudiosos para o problemático texto de I Pe 3.19. São propostas diferentes, porem ambas as argumentações concordam que Jesus desceu ao inferno depois de morrer. Abordamos cada uma delas e verificamos as incoerências. Mas há um problema que todas têm que enfrentar. É que a origem da frase “desceu ao inferno” não aparece em nenhum lugar da Bíblia. Mas de onde exatamente surgiu esta idéia?

O Credo Apostólico

A primeira ocorrência da expressão “desceu ao inferno” está no Credo Apostólico, que tem a expressão latina “descendit ad inferna” (desceu aos infernos/hades) e a outra se encontra no Credo de Atanásio, com a expressão latina “descendit ad inferos” (desceu às regiões inferiores). O texto final do Credo Apostólico faz uma bela declaração de fé:

Creio em Deus, o Pai onipotente, Criador do Céu e da Terra. E em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nascei da Virgem Maria, padeceu sob Poncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, no terceiro dia ressussitou dos mortos, subiu aos céus, este sentado a destra de Deus, o Pai onipotente, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa igreja católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.

Sobre o desenvolvimento histórico do Credo Apostólico, Wayne Grudem diz que “foi surpreendente descobrir que a frase desceu ao inferno não se encontrava em nenhuma das versões primitivas do credo até que ela apareceu um uma versão de Rufino em 390 d.C., o único a incluí-la antes de 650 d.C”. Já que não é uma doutrina bíblica, Heber Campos afirma que devemos rejeitar as várias idéias relacionadas como a “decida literal de Jesus ao hades”.

Interpretação mais equilibrada

Ao rejeitarmos as idéias apresentadas anteriormente, somos forçados automaticamente a sugerir alguma outra interpretação mais coerente, porém com os mesmos critérios de avaliação. Vamos propor, na verdade, duas interpretações diferentes, mas que não são contraditórias entre si, pois entendemos que ambas podem ser usadas como propostas válidas e mais confiáveis biblicamente falando.

Interpretação reformada

O entendimento dos teólogos reformados com respeito a eventual descida de Jesus ao hades é bem diferente da de muitos cristãos, principalmente dos estudiosos citados neste trabalho. Esta interpretação está na verdade baseada na proposta do reformador de Genebra, João Calvino (1509-1564). Ele sustentou que “a descida ao hades foi a experiência das dores do inferno na alma de Jesus, enquanto seu corpo estava ainda pendurado na cruz, especialmente a experiência da ira divina contra o pecado, que ele suportou no lugar dos seres humanos”. Para Calvino, a alma de Cristo tinha de sentir todos os efeitos do juízo pois se alma dele não tivesse sido afetada pelo castigo, seria somente salvação de corpos. Erwin Lutzer corrobora com esta idéia, principalmente quando se analisa com profundidade o significado do brado de Cristo, enquanto pendurado na cruz em meio às trevas (Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? (Mt 27.46). Ele diz:

Jesus certamente suportou o sofrimento do inferno, pois o inferno é escuridão, é desamparo, é ser abandonado por Deus, e se foi assim, o horror do que ele experimentou está além de nossa compreensão.

Heber Carlos de Campos, escritor reformado, conclui dizendo que “Jesus nunca desceu ao hades de literal e espacialmente, mas experimentou intensivamente todas as coisas que o hades representa”.

Interpretação analógica

A explicação da interpretação tipológica não chega a contradizer a interpretação reformada, mas dá ao texto I Pe 3.19-20 um enfoque diferente, todavia ambos concordam que Cristo não desceu ao inferno literalmente. Segundo Wayne Grudem, esta explicação é a mais satisfatória de I Pe 3.19-20 e remonta Agostinho que já dizia: a passagem não se refere a algo que Cristo fez entre sua morte e ressurreição, mas ao que “fez no âmbito espiritual da existência” (ou pelo Espírito) nos dias de Noé. Isto quer dizer que quando Noé estava construindo a arca, Cristo, “em espírito” estava pregando por meio de Noé aos incrédulos hostis em torno dele.


Esta concepção, não é tão popular, mas é digna de alta consideração. Não é tão mitologia quanto as anteriores (exceto a interpretação reformada), não se baseia em doutrinas humanas (Credo Apostólico) e tem apoio bíblico considerável. Por exemplo, em I Pe 1.11, ele diz que o “Espírito de Cristo” falava por intermédio dos profetas do Antigo Testamento. Em 2 Pe 2.5, ele chama Noé de “pregador da justiça”, empregando o substantivo keryx que vem da mesma raiz do verbo pregar de I Pe 3.19. Tudo isso nos leva a concluir que Cristo “pregou aos espíritos em prisão” por intermédio de Noé nos dias anteriores ao dilúvio. Esta idéia levanta um problema, pois eruditos em grego, afirmam que a Bíblia nunca usa “espírito” em referencia aos humanos. Como responder a isto?

As pessoas a quem Cristo pregou por meio de Noé eram incrédulos sobre a terra na época de Noé, mas Pedro os chama “espírito em prisão” porque estão agora na prisão no inferno (A NASB diz que Cristo pregou “aos espíritos agora em prisão) [...] Assim, Cristo pregou aos espíritos em prisão significa: cristo pregou as pessoas que são agora espírito em prisão, quando ainda eram pessoas sobre a terra.

Um outro conjunto de versículos em Pedro apóia está interpretação, de acordo com o contexto maior de I Pe 1.13-22. Neste contexto geral, Pedro parece fazer uma analogia interessante entre a situação de Noé e a situação de seus leitores. O confronto entre estas épocas distintas revela que ambos faziam parte de minoria justa, rodeados por incrédulos hostis, aguardavam o iminente juízo de Deus (I Pe 4.5-7; II Pe 3.10), deviam pregar com ousadia (I Pe 3.14, 16-17; 3.15; 4.11) e eram salvos ou seriam salvos (I Pe 3.13-14; 4.13; 5.10).

Conclusão

A pergunta que não quer calar agora pode ser respondida. Jesus desceu ao inferno? A resposta é não. Verificamos que há muitos problemas em adotar esta concepção e o testemunho do restante da bíblia não o apóia definitivamente. Como afirma Wayne Grudem, é no mínimo confusa e, na maior parte dos casos, enganosa para os cristãos de hoje.


Post dos artigos anteriores. Jesus desceu ao inferno? parte 1,2 e 3.

Soli Deo Gloria
Daniel Grubba

Nenhum comentário:

Postar um comentário